quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

"Que o caminho seja brando a teus pés.
Que o vento sopre leve em teus ombros.
Que o sol brilhe cálido sobre tua face.
Que as chuvas caiam serenas em teus campos.
E até que eu te veja, que os Deuses te guardem nas palmas de Suas Mãos."

Benção Irlandesa

domingo, 27 de novembro de 2005

O mundo é grande

.
O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

By Carlos Drummond de Andrade

Lisbon revisited (1923)


NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

By Álvaro de Campos

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

Aponte para o sempre...

Pensamos que às vezes não restou um só dragão.
Não há mais qualquer bravo cavaleiro,
nem uma única princesa a passear por florestas encantadas.

Pensamos às vezes que a nossa era
está além das fronteiras, além das aventuras.
Que o destino já passou do horizonte e se foi para sempre.

É um prazer estar enganado.
Princesas e cavaleiros, encantamentos e dragões,
mistério e aventura... não existem apenas aqui e agora,
mas também continuam a ser tudo o que já existiu nesse mundo.

Em nosso século só mudaram de roupagem.
As aparências se tornaram tão insidiosas
que as princesas e cavaleiros podem se esconder um dos outros,
odem se esconder até de si mesmos...

Contudo, os mestres da realidade, ainda nos encontram em sonhos,
para dizer que nunca perdemos o escudo de que precisamos contra os dragões...

A intuição sussurra a verdade!
Não somos poeiraSomos magia!
Feche os olhos...E siga sua intuição


by Richard Bach

terça-feira, 16 de agosto de 2005

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoista e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve, Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

by Mário Quintana

sexta-feira, 29 de abril de 2005

Melancolia

"Não busquemos no amor os grandes prazeres, ardentes e inebriantes; quemos as modestas alegrias, tocadas de suave melancolia. A melancolia é alguma coisa santa, eco de uma harmonia executada no céu, sentimento que perfuma o amor e o faz incorruptível".
By C. Bini

domingo, 17 de abril de 2005

O buraco do espelho


O buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí

Pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some

A janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se
ouve
Já tentei dormir a noite inteira
Quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada

O buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora

By Arnaldo Antunes

sexta-feira, 1 de abril de 2005

Vida que temos

"Temos, todos que vivemos, uma vida que é vivida
E outra que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar."


By Fernando Pessoa

(...)

Lentamente a lâmina fria deslizou sobre seu trêmulo pulso - desta vez a brincadeira era séria! Desta vez a dor que havia em seu coração suprimiu a dor daquele fino corte. Sentiu seu sangue quente escorrer pelo seu braço até o cotovelo, para depois cair em lentas e pesadas gotas até o chão. Com a mesma despreocupada calma repetiu o ato em seu outro pulso - desta vez com mais vigor, o medo da dor e da morte há tempos não existia mais.

Por ironia do destino ou por mera brincadeira de deus aquele não foi o seu fim e ao término da tarde do dia seguinte acordou-se e olhou a sua volta. Estava confuso, sem noção de tempo e espaço. Sentia sede, frio, dor...

Sentia-se sujo, sentia-se vazio! Em seu peito não sentia mais seu coração... em seu peito não havia nem cinzas de uma paixão que queimou muito por muito pouco tempo. Chegou a pensar que realmente morrera, que lograra êxito em seu intento, mas tudo era muito confuso.

Arrastou-se até o banheiro, apoiou-se na pia e com dificuldade levantou-se. Fitou por longos minutos o espelho, e do espelho olhos vazios em um rosto pálido devolviam o olhar. Sentiu suas mãos umidecerem, levantou lentamente os braços e, ao ver um filete de sangue sair de sua branca pele compreendera que falhara.

By lordcaio

terça-feira, 22 de março de 2005

Acaso


Não é por acaso
Não é sem querer
Sempre faço estas coisas
Elas sempre acontecem
Não é por acaso
Sinto dor só para doer
Dói só para sofrer.
Não é sempre que percebo
Às vezes não acontece
Mas se acontecer...
Não é por acaso
Não é (sempre) sem querer
O que eu quero, eu procuro.
ão encontro, mas acontece
Não é por acaso
Mas tudo é tão rápido
Não é sem querer
Nunca mais vai ser igual
Nunca antes foi diferente
Não é por acaso
Mas hoje quero ser feliz
Não quero esquecer
Mas quero ser feliz
Pode acontecer
Um dia pode ser
Um dia vou ser feliz
Mas não vai ser por acaso
Um dia vai acontecer
Vou sentir dor e continuar contente
O problema é bem maior.
Não é que seja eu
É que realmente não sou eu.
Não é por acaso
Nunca antes foi e hoje não vai ser
Por acaso hoje não reclamei
Sei que não é por acaso
Queria muito que fosse
Tudo passa, mas até quando?
Tudo passa, não por acaso.
Mas essa dor que venho sentindo?
Não é por acaso que tudo passa?
Não. Acho que não vou ser feliz!
Acho que não vai acabar
Um passo incerto no escuro
Totalmente ao acaso
Não, não quero nada
Não é, nem nunca foi sem querer
Nunca foi sem quererNunca foi
Nunca antes
Espero um dia acordar
Espero um dia pensar
Espero um dia entender
Saber, quem sabe...
Por que não é por acaso?
Por que (nunca) é sem querer.

By lordcaio

segunda-feira, 21 de março de 2005

A chuva melancólica

Coração melancólico...
Sangue de pulsos cortados,
Escoado para um cálice de ouro
Bebo e saboreio a minha dor
Como se de vinho se tratasse
Ao som da chuva tento adormecer
Mas o sono não me trás esquecimento
Passeio-me por corredores vazios
Decorados com pinturas sem vida
Olho através das janelas,
Do meu palácio assombrado
E vejo os jardins vazios
Tudo vazio…

Os rostos nos meus sonhos
As memórias de quando era herói
Tudo se resume ao vazio
Pois os rostos nos meus sonhos
Vêm por mim
Lembrando-me de que já não sou herói
Apenas me resta este cálice de ouro
Onde bebo este néctar amargo,
Néctar que não me deixa enlouquecer…

segunda-feira, 14 de março de 2005

IMAGEM PERDIDA

IMAGEM PERDIDA Kali
Desejava seu ventre corrompido pelo gozo
Seus corpos nesse sexo tão exposto.
Amá-lo até o fim de sua vida
Suas bocas para sempre em clausura.
Sua única saída.

E tanto desejou que a imagem então se aproximou
E, num ímpeto, ao encontro dela se arremessou.

Nem os estilhaços do espelho, Nem o sangue em vermelho
Lhe fez compreender
Que foi tanto o amor que se verteu
Que nela já não estava mais seu eu
Que aquele corpo no espelho era mesmo o seu
Não o corpo ao encontro do qual se arremeteu
Não o corpo do desejo que a ensandeceu

E o que restou além dos estilhaços
Foi uma lágrima em meio ao sangue chorando a imagem que se perdeu.