sexta-feira, 29 de abril de 2005

Melancolia

"Não busquemos no amor os grandes prazeres, ardentes e inebriantes; quemos as modestas alegrias, tocadas de suave melancolia. A melancolia é alguma coisa santa, eco de uma harmonia executada no céu, sentimento que perfuma o amor e o faz incorruptível".
By C. Bini

domingo, 17 de abril de 2005

O buraco do espelho


O buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí

Pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some

A janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se
ouve
Já tentei dormir a noite inteira
Quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada

O buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora

By Arnaldo Antunes

sexta-feira, 1 de abril de 2005

Vida que temos

"Temos, todos que vivemos, uma vida que é vivida
E outra que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar."


By Fernando Pessoa

(...)

Lentamente a lâmina fria deslizou sobre seu trêmulo pulso - desta vez a brincadeira era séria! Desta vez a dor que havia em seu coração suprimiu a dor daquele fino corte. Sentiu seu sangue quente escorrer pelo seu braço até o cotovelo, para depois cair em lentas e pesadas gotas até o chão. Com a mesma despreocupada calma repetiu o ato em seu outro pulso - desta vez com mais vigor, o medo da dor e da morte há tempos não existia mais.

Por ironia do destino ou por mera brincadeira de deus aquele não foi o seu fim e ao término da tarde do dia seguinte acordou-se e olhou a sua volta. Estava confuso, sem noção de tempo e espaço. Sentia sede, frio, dor...

Sentia-se sujo, sentia-se vazio! Em seu peito não sentia mais seu coração... em seu peito não havia nem cinzas de uma paixão que queimou muito por muito pouco tempo. Chegou a pensar que realmente morrera, que lograra êxito em seu intento, mas tudo era muito confuso.

Arrastou-se até o banheiro, apoiou-se na pia e com dificuldade levantou-se. Fitou por longos minutos o espelho, e do espelho olhos vazios em um rosto pálido devolviam o olhar. Sentiu suas mãos umidecerem, levantou lentamente os braços e, ao ver um filete de sangue sair de sua branca pele compreendera que falhara.

By lordcaio